quarta-feira, 20 de março de 2013

He And She

                                                          He And She





  Ela era feliz. Mas feliz de um jeito comum. Era uma menina, como meninas deviam ser: gostava de animaizinhos fofos, bebês sorridentes e livros de romance. E não tinha nada de especial, a não ser um certo brilho nos olhos, que lhe seria roubado algum dia.
  Ele era quase feliz. Talvez dramático demais para um garoto. Mas ainda era um garoto. Não tinha a aparência que gostaria, mas não ligava muito pra isso. E gostava de todas as coisas que garotos normais gostavam: futebol, música, videogames. Garotas.
  Ela era sonhadora, mas pouco enérgica. Mantinha quase sempre sua cabeça nas nuvens, mas sem deixar seus pés saírem do chão. Nunca se entregara a uma ilusão. Mantinha-se presa em sua realidade. Talvez por medo de tropeçar. Ou somente por receio de voar alto demais e não conseguir voltar para o chão.
  Ele se arriscava o tempo todo. Abusava de seu direito de sonhar. Voava e voava, sem se lembrar de como colocar os pés no chão. Gostava de testar seus limites, da emoção do novo. Mas sabia jogar com delicadeza quando necessário. Sabia usar as palavras, e não tinha medo de dar a entender ideias que, na verdade, eram ilusórias. Quando se tratava de garotas, principalmente. Não era dos mais corajosos para tomar a iniciativa, mas sua dificuldade parava no primeiro passo. Depois disso, abusava do poder de suas doces palavras.
  Ela tinha pouco tempo livre, curto demais para olhar para os lados. Quase nunca mal-humorada, sorria quase o tempo todo, para quem quer que aparecesse, mesmo sem qualquer motivo para isso.
  Ele ria sempre que surgia a oportunidade. Era tímido apenas no primeiro momento. E não deixava escapar de seu olhar qualquer detalhe a sua volta. Uma palavra, um gesto, uma pessoa.
  E no meio da sua pressa de todo dia, num dia qualquer, ela desviou seu olhar por alguns segundos. Foi o suficiente. Nesse repentino desvio, seus olhos encontraram os dele. E não teve mais volta. Pararam alguns segundos, como se estivessem sendo atraídos por um imã. Ela, sem saber muito bem como reagir, tentou focar-se em outras coisas. Não precisava desse tipo de preocupação em sua vida agora. Mas por mais que ela quisesse desviar sua atenção, o olhar dele puxava o seu.
  Ele não se preocupou em evitar. Gostava de sentir cada uma das sensações que momentos como esse lhe proporcionavam. E esse momento em especial havia mexido com ele de forma diferente. Ele era do tipo que se deixava envolver por sentimentos mais fortes. E aquela situação não o intimidava. Depois de alguns minutos, reuniu toda coragem que conseguiu e foi até ela. À medida que se aproximava sentiu-se enfraquecer. A simples imagem dela cada vez mais próxima o apavorava. Mas, ao mesmo tempo, aumentava sua vontade de olhar naqueles olhos brilhantes mais de perto.
  Chegou até ela e falou o que conseguiu. Ela tentou não deixar-se envolver tanto, mas o tímido sorriso escapando pelo canto de sua boca não a deixava mentir. Não resistiu muito tempo. Tornara-se um caminho sem volta.
  Em alguns minutos já conversavam como se já se conhecessem. As palavras saíam de suas bocas e dançavam no ar, com uma harmonia maior do que de muitos casais de longa data. A conexão era óbvia, e gritante.
  Ela baixou a guarda. Seu coração abriu-se a esses novos sentimentos. E as fortes sensações do primeiro olhar fortaleciam-se a cada dia. Já não enxergava muito bem, era quase incapaz de ouvir qualquer outra coisa. Mal pensava.
  Ele lhe dedicava as mais belas palavras, os mais carinhosos abraços, e toda a afeição que ela desejava. Completavam-se de muitas maneiras. Não em todos os aspectos necessários, mas não enxergavam isso. Viviam o momento, de olhos fechados, flutuando.
  Ela permitiu-se. Seu coração mantinha-se aberto. Aquele antigo brilho nos olhos que a tornavam especial contagiaram todo o seu corpo, e iluminava por onde quer que passasse.
  Ele, ao notar que a tinha convencido mais do que a si mesmo, sentiu-se no controle. Percebeu que o sentimento que ela desenvolvera por ele governava sua vida, tornando-a vulnerável. Mas nem de longe causava o mesmo efeito nele. Pelo menos não mais. Ele voltara a lucidez rapidamente.
  Ele era acostumado a deixar-se levar pelo momento, a entregar-se aos poucos minutos que lhe proporcionavam fortes sensações. Mas raramente deixava-se influenciar além desses momentos. Mantinha sua caixinha de sentimentos sinceros muito bem fechada. Não por medo, mas talvez por segurança. Gostava da lucidez.
  E aquele poder que exercia sobre ela subiu-lhe a cabeça. E sentiu-se no direito de usá-lo, de dizer o que quisesse, de manipulá-la. Ele lhe prometeu mil estrelas do céu. Porém, nem seu coração era capaz de dar. Ela aceitou as mil. Mas as duas estrelas nos olhos dele já lhe eram suficientes.
  Para ela, tudo o que estava sentindo por aquele garoto lhe preenchia. Ela tinha dúvidas, mas não o suficiente para acordá-la. Às vezes ultrapassava seus próprios limites, mas sem se dar conta disso.
  Ele, cada vez mais ciente de seu poder sobre ela, passou a ficar entediado. Não se sentia mais tão vivo. Seu coração já não batia tão forte. Ela já não o atraía tanto quanto no primeiro momento. E depois de tanto tempo vivendo aquela mesma história, ele percebeu que queria voar de novo. Precisava.
  E voou. Sem dizer porquê. Apenas desapareceu. Cansou-se da garota, e ainda que gostasse dela, não a amava. Não aguentou sentir-se preso aos sentimentos dela, ainda mais porque não os sentia. E voou.
  Ela, sem saber muito bem como tudo havia acontecido, sentiu seu coração se partir, sem saber se um dia conseguiria juntar os pedaços. Ela o havia entregado àquele garoto, sem ao menos se questionar mais de uma vez. E reconheceu que fizera isso por ser ainda uma garota, não uma mulher, da mesma forma que ele havia agido como um garoto, não como um homem. Sofreu, miseravelmente. Por muito tempo não conseguia compreender tudo aquilo, e achava que nunca se recuperaria.
  Ele levara todo o seu brilho embora. Por algum tempo ela vagueou, apagada. Recolheu seus pedaços, e prometeu nunca mais sofrer dessa maneira.
  Mas, com o passar dos dias, ela entendeu que toda tragédia desse tipo servia como lição. E cada lágrima derramada a havia feito crescer.
  E ele aprendeu que na próxima história os papéis poderiam se inverter, e poderia ser ele sofrendo miseravelmente, como de fato aconteceu, depois de um bater de asas que não era o dele.
  Aos poucos ela se recuperou, compreendeu sua lição, e decidiu ser mais forte. O que não a impediu de cometer os mesmos erros, várias vezes.
  Ele continuou voando, e ela continuou se iludindo, até deixarem de ser um garoto e uma garota.


*MaRi Rezk*