quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Saudade de mim

                         Saudade de mim



 Sempre paro pra pensar na expressão "desde que me entendo por gente". Difícil lembrar da primeira vez que me percebi como uma pessoa. Só sei que faz muito tempo. E sei que sempre senti que eu era a mesma.  Dos 5 aos 30, parece ser a mesma coisa, a mesma linha, mesma voz de pensamento. Engraçado pensar que desde tão pequena eu já me sentia eu, tanto quanto me sinto agora.
  É claro que, com o passar dos anos, amadurecemos algumas ideias, evoluímos como pessoas, aprendemos algumas lições importantes que nos transformam, tudo isso sem deixarmos de ser nós mesmos.
  E geralmente é essa pessoa que mora na nossa cabeça que nos torna únicos, nos deixa confortáveis na nossa própria companhia, que define nossas preferências, nossas características mais profundas, nossos traços.
  Mas às vezes acontece um fenômeno um tanto quanto perturbador: nós nos perdemos do nosso "eu". Geralmente acontece no início da vida adulta, na fase em que somos praticamente atropelados pela vida, responsabilidades e obrigações. E quando nos perdemos dessa essência tão pura de nós, é como se as nossas cores se apagassem. Tudo fica meio cinza, meio bege.
  Do que eu gosto? Porque não faço mais isso? Quando foi que comecei a ser assim? Acontece tão sutilmente que só percebemos tarde demais. É doloroso e desconfortável. "Que saudade de mim!".
  Passamos tanto tempo sendo consumidos por nossa rotina cansativa, que dia a dia acabamos nos esquecendo de nós. Nos transformamos apenas numa lembrança do passado, uma fotografia desbotada. E, algum dia, alguma memória ressurge, e aí pensamos: "Eu costumava ser assim".
  Ainda não descobri a causa desse fenômeno. O porquê de nos distanciarmos de nós mesmos ainda é um mistério pra mim.
  Mas que delícia é nos reconectarmos ao nosso "eu"! Por mais que, em algum momento da nossa vida, deixamos de caber nessa pessoa que éramos, é muito bom - reconfortante, até - nos reencontrarmos com nossa essência mais antiga, mesmo que por pouco tempo. Como é bom rir com nós mesmos, nos entendermos como alguém com peculiaridades tão complexas, de um jeito que só faz sentido na nossa cabeça.
  Bom mesmo é quando nossos "eu's", nossas versões, conseguem encontrar um meio do caminho onde todo mundo consegue concordar em co-existir. Nos reconectar de forma mais permanente, sem desprezar nossa evolução. Quando nossa essência se torna uma só, cheia de caminhos já percorridos.
  O ser humano é uma bela criação, tão complexa e tão única. Como é bom nos enxergar assim, como alguém tão preenchido de particularidades, gostos, pensamentos e sentimentos, cada parte de nós sendo tão única. Um universo inteiro que chamamos de "Eu".

 *MaRi Rezk*