segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Parecer ou Ser

                                                 
                                                   Parecer ou Ser





   Sempre fui uma grande fã de redes sociais. E, na posição de legítima pessoa tímida (por vezes até de forma problemática), essas redes sempre me proporcionaram a visibilidade que eu gostaria, mas com sofrimento diminuído (pra você que não sabe, gente tímida sofre bastante pra se comunicar. Não é que a gente não queira, é que a gente não consegue). Às vezes visibilidade até demais, não tenho orgulho de tudo que postei. Mas me foi muito útil, por muitas vezes.
  Mas ultimamente, não sei se pela idade ou maturidade, as redes sociais têm me cansado bastante. Talvez me irritado profundamente em algumas ocasiões, mas justamente pelo próprio propósito de sua existência. É sobre parecer mais do que ser.
  E sobre a cobrança de se parecer com o que você não é, ou cobrança do que deveria ser. O cansaço é tanto que os pensamentos estão emaranhados, mas vou desenrolar.
  Sou feliz, mas não todos os dias. Sei me arrumar, mas não estou disposta a fazer isso todo o tempo. Tem dias em que sou divertida, e outros em que estou mais introvertida e não sei conversar direito. Às vezes vou num restaurante japonês legal (bem às vezes, infelizmente), e às vezes eu como um lanche do Mc com o cupom mais barato que eu encontrar (e às vezes miojo é janta sim). Em alguns dias eu tiro fotos bem legais e não compartilho, e às vezes tiro fotos não tão boas, mas que dá vontade de compartilhar.
  O quê, disso tudo, define quem eu sou? Se posto uma foto feliz, perco o direito de ser triste? Se posto uma foto com uma calça indiana amarela e uma camiseta vermelha listrada (específico, pois já me ocorreu), perco o direito de ser elegante? Se posto uma foto boa, perco o direito de postar uma foto embaçada e torta? Será que aqueles 10 segundos de uma foto é tudo o que sou, ou tudo que foi o meu dia?
  É claro que existem questões mais profundas. Uma frase ou ideia postada revela um pensamento, ou ponto de vista. Nesse ponto acredito que sim, é importante ser criterioso. Mas aí é que está. Não é só sobre ser criterioso sobre compartilhar uma ideia, mas sim sobre ser criterioso no nosso pensamento. "Talvez eu não devesse compartilhar esse pensamento", você talvez pense. Mas será que você deve nutrir esse pensamento na sua mente e coração? 
  Talvez seja isso que esteja me incomodando. Tem sido tão disseminado nas redes sociais que você deve falar o que quiser, mostrar o que quiser, ser o que quiser nesse meio, que as pessoas estão esquecendo de cultivar o próprio bom senso. É como se fosse uma nova lei : "Não importa o quão torto sejam seus pensamentos e atitudes, o importante é que você pode ser o que quiser na sua rede social". E, pra falar a verdade, acredito sim que a gente deva postar o que quiser. Mas não é uma contradição na minha linha de raciocínio. Isso porque, se você é criterioso, tem bom senso e sabedoria no seu coração, não tem como dar errado. É bem simples na verdade. Em resumo: pareça ser quem você é, mas primeiro, seja alguém legal.
  As redes vendem uma ideia de que tudo é bonito, fácil, e que a gente deve ser capaz de fazer tudo o que os outros fazem. E isso nos adoece. Nos faz acreditar que nunca conseguiremos ser o suficiente. E daí a exaustão mental e emocional chega com tudo, afeta nossa autoestima, nossa alegria de viver. E aí, para diminuir essa dor, queremos mostrar aquilo que não somos, afim de diminuir a cobrança, cobrança essa que acreditamos que exista, mesmo quando não existe. Mas enxergamos essa cobrança em tudo, não porque ela esteja lá, mas porque ela está nos nossos olhos.
  Tá, mas o que a gente faz agora?
  O que me ajuda é lembrar que o que está lá no meu feed não é a realidade completa daquela pessoa. Ela é um ser humano complexo, cheia de detalhes e imperfeições, assim como eu.   Aquilo que estou vendo é apenas um recorte muito pequeno e registrado da vida dela, e a minha vida não precisa ser igual. Às vezes ela só sabe falar muito bem, e por isso parece que existe uma pressão para que eu me pareça com ela. E o que é a vida, senão uma coleção de momentos não registrados, imperfeitos, repleta de pensamentos e sentimentos em construção?




*MaRi Rezk*


quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Saudade de mim

                         Saudade de mim



 Sempre paro pra pensar na expressão "desde que me entendo por gente". Difícil lembrar da primeira vez que me percebi como uma pessoa. Só sei que faz muito tempo. E sei que sempre senti que eu era a mesma.  Dos 5 aos 30, parece ser a mesma coisa, a mesma linha, mesma voz de pensamento. Engraçado pensar que desde tão pequena eu já me sentia eu, tanto quanto me sinto agora.
  É claro que, com o passar dos anos, amadurecemos algumas ideias, evoluímos como pessoas, aprendemos algumas lições importantes que nos transformam, tudo isso sem deixarmos de ser nós mesmos.
  E geralmente é essa pessoa que mora na nossa cabeça que nos torna únicos, nos deixa confortáveis na nossa própria companhia, que define nossas preferências, nossas características mais profundas, nossos traços.
  Mas às vezes acontece um fenômeno um tanto quanto perturbador: nós nos perdemos do nosso "eu". Geralmente acontece no início da vida adulta, na fase em que somos praticamente atropelados pela vida, responsabilidades e obrigações. E quando nos perdemos dessa essência tão pura de nós, é como se as nossas cores se apagassem. Tudo fica meio cinza, meio bege.
  Do que eu gosto? Porque não faço mais isso? Quando foi que comecei a ser assim? Acontece tão sutilmente que só percebemos tarde demais. É doloroso e desconfortável. "Que saudade de mim!".
  Passamos tanto tempo sendo consumidos por nossa rotina cansativa, que dia a dia acabamos nos esquecendo de nós. Nos transformamos apenas numa lembrança do passado, uma fotografia desbotada. E, algum dia, alguma memória ressurge, e aí pensamos: "Eu costumava ser assim".
  Ainda não descobri a causa desse fenômeno. O porquê de nos distanciarmos de nós mesmos ainda é um mistério pra mim.
  Mas que delícia é nos reconectarmos ao nosso "eu"! Por mais que, em algum momento da nossa vida, deixamos de caber nessa pessoa que éramos, é muito bom - reconfortante, até - nos reencontrarmos com nossa essência mais antiga, mesmo que por pouco tempo. Como é bom rir com nós mesmos, nos entendermos como alguém com peculiaridades tão complexas, de um jeito que só faz sentido na nossa cabeça.
  Bom mesmo é quando nossos "eu's", nossas versões, conseguem encontrar um meio do caminho onde todo mundo consegue concordar em co-existir. Nos reconectar de forma mais permanente, sem desprezar nossa evolução. Quando nossa essência se torna uma só, cheia de caminhos já percorridos.
  O ser humano é uma bela criação, tão complexa e tão única. Como é bom nos enxergar assim, como alguém tão preenchido de particularidades, gostos, pensamentos e sentimentos, cada parte de nós sendo tão única. Um universo inteiro que chamamos de "Eu".

 *MaRi Rezk*